6 de set. de 2010

Final da Copa do Mundo - Por Maíra Leal


"Hoje posso dizer a seguinte frase com a maior certeza do mundo: Rugby é um jogo fantástico, dois times de quinze mulheres de cada lado, disputando cada centímetro de campo, com uma bola oval sendo jogada para trás. Dois tempos de 40 minutos depois dos quais encontramos um time vencedor e dois times que deixaram tudo o que tinham em campo."


Acompanhem no Rugby de Calcinha o relato de Maíra Leal do Rugby Potiguar que presenciou a Final da Copa do Mundo de Rugby em Londres no último domingo.



05 de Setembro de 2010
Maíra Leal direto do Twickenham Stoop, UK

Do começo ao fim, um jogo de rugby

Antes de começar a contar como foi a minha experiência em ter visto pela primeira vez uma final de uma copa do mundo de rugby ao vivo, é necessário avisar: essa narrativa esta completamente baseada num ponto de vista, o ponto de vista de uma apaixonada por rugby e de alguém assiste a um jogo a partir de um parâmetro: a experiência de jogar como 9 (half-scrum). Tendo dito isto previno-os que se trata de uma narrativa fluída e no final das contas, parcial, mesmo querendo ser imparcial.

A partida final a ser disputada neste dia era Inglaterra x Nova Zelândia e um jornal especializado em rugby (tem disso por aqui) apontava a partida como um “desafio entre rainhas dançantes” como ele chamou a Full Back (15 ) inglesa Danielle Waterman e a ponta (14) Neozelandesa Carla Hohepa, como se o segredo da vitória para os dois times estivesse no talento individual das suas jogadoras.

Mas antes de chegar a final, vamos começar do começo. Eu saí de Glasgow, Escócia, para chegar a Twickenham e em ordem de fazê-lo tive que chegar a Londres. Resultado: no dia 04 de setembro eu pegava um ônibus em Glasgow com destino à Londres. Chegando em Londres esperei cerca de seis horas para pegar o trem que me levaria à Twickenham e consequentemente ao estádio. A única coisa que eu sabia era que trens pegar, mais nada, o mapa do google impresso na mão e uma boa expectativa para o dia que avançava rapidamente.

Fonte Site Oficial
O jogo não foi no incrível estádio de Twickenham, foi no The Stoop. Um estádio bem menor, com 14.000 lugares, mas que ameaçava não ter sua lotação completa. O Stoop, é o estádio do Harlequins, um time competitivo, no masculino, da região norte de Londres. Mas eu não fazia a menor ideia disso. Quando entrei no trem e vi um bom número de pessoas com a camisa da Inglaterra, quando saí as vi indo numa direção, resolvi seguir a multidão e dentro de poucos minutos estava no estádio.

Mesmo sendo um estádio pequeno eu fiquei impressionada, era a primeira vez na minha vida que eu via um estádio só de rugby. Um lindo de um estádio, com um grama bem aparadinha, as linhas recentemente pintadas e o H (trave do rugby é conhecida como H) no final do campo. Era um sonho virando realidade.

Fonte Site Oficial
Conforme o estádio foi enchendo eu fui vendo a cara das pessoas que se sentavam ao meu lado e próximas de mim. Do meu lado se sentou um time inteiro (de XV) da Espanha (depois essas meninas me irritaram muito, levantando toda hora e andando pra cima e pra baixo quando eu queria muito era ver o jogo) acima do meu assento, um casal de rugbiers explicava o jogo para uma novata abaixo de mim as pessoas se serviam uma pint (quase um litro) de cerveja. Pais e mães, filhos e filhas e times inteiros com seus uniformes passavam pela minha frente. Lembrei das minhas companheiras de times: as nossas aventuras nos campos lamacentos nunca se tornaram uma celebração do esporte deste calibre. Ou melhor, ainda não.

Here comes the sun – ai vem o sol

No dia da disputa de um verdadeiro Derby do rugby feminino internacional (com essa partida, seriam três finais consecutivas entre a seleção da Inglaterra e a da Nova Zelândia) o sol forte começou a brilhar enquanto o estádio começava realmente a encher e as arquibancadas se tornaram coloridas de branco, vermelho, com alguns pontos lá e cá de cores diferentes: a torcida Neo Zelandesa marcou presença mas foi obviamente ofuscada pela massiva superioridade numérica inglesa. Daí pra frente a torcida teve um papel emocionante e fundamental no jogo. Esteve ao lado do time inglês do começo ao fim, cantando e aplaudindo.

Falei antes da minha tentativa de ser imparcial, não falei? Pois bem, ela falhou quando no momento do Haka da Nova Zelândia, a torcida inglesa começou a cantar a Swing low, sweet chariot (balance suavemente, doce carruagem) a canção que eles cantam tipicamente para as seleções de rugby que representam o país. Daí pra frente, não pude não torcer pra Inglaterra, porque não existe estar naquele estádio sem participar daquela festa.

No entanto, a despeito da torcida, foi a Nova Zelândia que começou no ataque, aprisionando a Inglaterra em seu campo de defesa, atacando sem dó nem piedade. Com muito esforço e coragem as inglesas impediram as neozelandesas de marcar no primeiro quarto da partida. A primeira saída Inglesa com a bola ultrapassando o meio de campo demorou uma eternidade, e mais uma vez a torcida cantou alto e o time respondeu em campo. Saindo de uma situação que parecia fadada a se tornar try em sua defesa.

Ainda no primeiro tempo seleção Neozelandesa logo teve que conviver com a ausência de sua capitã Ana Richards(10) que levou o amarelo e ficou de fora pelos 10 e com a mesma advertência dada e Melissa Ruscoe (6) Durante mais de 10 minutos as inglesas tiveram a oportunidade de marcar pontos quando a Nova Zelândia estava em desvantagem numérica.

A incapacidade Inglesa de fazê-lo custou caro, e a situação do time da casa se complicou ainda mais, porque o oposto aconteceu e as Black Ferns (Samambaias pretas – nome do time feminino de rugby da NZ), no momento de maior fragilidade, cresceram. Ao mesmo tempo em que impedia o avanço inglês encontrou um buraco na defesa inglesa e pela primeira vez no jogo, um try foi marcado, através das mãos ( e pés – porque os side steps -tipo de passo para driblar a oposição - dela são mais que incríveis) de Carla Hohepa (14) e com a confirmação de Kelly Brazier (12). O rumo de todo o jogo tinha mudado e a Nova Zelândia abriu 7 pontos a seu favor.
Vale destacar que no duelo das atacantes, Hohepa(14) da Nova Zelândia levava a melhor e embora Waterman (15) da Inglaterra tenha dado um chega pra lá num hand-off (a jogadora que porta a bola pode defender-se usando o braço esticada, chamado de hand-off) lindo, na própria Hohepa, a inglesa não conseguia repetir a atuação do jogo anterior contra a Austrália. A neozelandesa do outro lado, não conseguiu uma atuação brilhante tampouco mas marcou o primeiro try para o seu time.

O intervalo traz uma atmosfera de camaradagem entre os torcedores fantástica, neozelandeses e ingleses discutem o desempenho das suas “meninas” enquanto aguardavam na fila para mais uma pint de cerveja. Mas isso não foi o mais surpreendente, no domingo feminino de rugby, a maior parte do público era também de mulheres. Mulheres que vinham de todos os lugares, que viajavam sozinhas ou com seus times, que comentavam o jogo com um conhecimento de causa impressionante.

Se não fosse um desses comentários eu provavelmente nem saberia que a segundo centro da Nova Zelândia Huriana Manuel (13) tinha jogado, até então, uma excelente partida, porque marcava ao mesmo tempo, subida da primeiro centro inglesa Katherine Merchant (12) e que marcava também Danielle Waterman (15) quando esta avançava para o meio.

O começo eletrizante de segundo tempo pegou uns torcedores desavisados: muita gente perdeu a subida voraz das inglesas para o campo neozelandês e em seguida o penal que gerou os primeiros pontos ingleses no marcador. Pontos que colocaram as inglesas imediatamente em condições de se tornarem as campeãs mundiais.

Mais ainda quando numa saída rápida de bola de Amy Turner (9) a bola foi aberta até chegar nas mãos de Charlotter Barras (14) que marcou um lindo try cuja conversão foi efetuada com sucesso abertura inglesa Katy McLean, que superou seus erros anteriores nas cobranças de penais e empatou o jogo.

Do momento do empate até o final este foi um jogo de muita entrega dos dois times. Mais uma vez a Nova Zelândia teve a jogadora Melissa Ruscoe(6) levando o cartão amarelo, levando a Inglaterra a botar pressão nos minutos de jogo.
Entretanto um penal em frente às traves pôs água na fervura inglesa e deu a liderança no marcador novamente à seleção neozelandesa Brazier(12) marcou o penal faltando 14 minutos para terminar o jogo.

Se alguém pensou que as inglesas iam desistir e deixar barato se enganou, nos minutos seguintes a cobrança do penal elas atacaram como se suas vidas dependessem disso e por pouco não obtiveram sucesso quando um scrum perfeitamente executado e comandado pela capitã do time Catherine Spencer (camisa 8, que fez um jogo irrepreensível em todos os quesitos) e por muito pouco o Scrum inglês não passou da linha de try com seu pick and go (a ação de apanhar a bola no chão e ir de encontro ao adversário) fantasticamente marcado pelas jogadoras da Nova Zelândia. Que não só defenderam com muita força como souberam empurrar a seleção Inglesa para o seu campo onde passaram os último minutos do jogo incapazes de avançar para o campo neozelandês.

Verdade seja dita, a partida pelo lado das Black Ferns, foi muito bem jogada, porque se de um lado a defesa inglesa jogou uma partida inesquecível de outro a Nova Zelândia conhecida por seu ataque matador também mostrou que tinha nas suas atacantes deferensoras implacáveis. Praticamente não vimos a linha (linha são as jogadoras do número 10 ao 15) neozelandesa no ataque, fora a excelente escapada de Hohepa (14) e uma subida insinuante de Huriana Manuel(13). Não as vimos porque elas anularam o ataque inglês na maior parte do jogo. Não há uma distinção do tipo, apenas linha tacklear (derrobar/aplacar a adversária) a linha. Seja qual fosse a adversária as neozelandesas colocavam no chão.

Mas perder no rugby não é feio ou vexaminoso. Em quantos esportes você perde e tem toda a sua torcida te aplaudindo de pé e cantando pra você? As inglesas tiveram isso, e são responsáveis por transformar a final da copa do mundo de rugby feminino (WRWC Women's Rugby World Cup) num evento épico. Não só esta foi a melhor partida de rugby feminino da história como a maior, e não sou só eu que pensa assim. O nível do jogo não foi inferior ao dos jogos masculinos e nem tampouco a vontade das jogadoras foi menor.

Claro que as inglesas queriam colocar seus nomes na história de outra forma, queriam tê-los cravados na taça, mas não foi assim. Depois a grande, literalmente, Spencer falou que sentia um misto de emoções porque tinha orgulho de seu time e ao mesmo tempo, mesmo com uma grande partida, ele, o time, tinha falhado em não pontuar na frente. O que não deixa de ser verdade. A falta de nervos, como foi apontada pelo jornal inglês hoje, pode ter sido um fator fundamental. Mas o brilhantismo da quarta medalha de ouro da Nova Zelândia não pode ser desmentida também.

O grande ganhador foi o esporte e a grande ganhadora fui eu, uma brasileira que joga (quando tem time,) lá nos confins do mundo e que adora o esporte. O esporte ganhou porque foi sem dúvida, o jogo de rugby feminino de maior expressão até hoje e eu ganhei porque que vi um nível de rugby feminino que eu nem pensava que existia. Além de tudo, vi um jogo feminino de XV (com quinze jogadoras de cada lado), diferente do Brasil onde a modalidade de 7's (Sete jogadoras de cada lado) é bem mais popular.

Fiquei em campo até ver a entrega da taça e o Haka que a Nova Zelândia fez na frente da arquibancada onde estava a maioria dos seus torcedores.

Quando às inglesas, foram até os seus amigos e parentes na arquibancada, falaram com suas fãs (umas garotinhas de uns 9 anos) e engoliram o choro para agradecer mais uma vez a torcida que nunca as abandonou. O país nunca antes tinha tido rosas (o escudo da seleção inglesa é uma rosa vermelha) tão fortes e tão determinadas, que jogaram tudo o que tinham em campo e terminaram, infelizmente para o lado inglês, derrotadas.

Hoje posso dizer a seguinte frase com a maior certeza do mundo: Rugby é um jogo fantástico, dois times de quinze mulheres de cada lado, disputando cada centímetro de campo, com uma bola oval sendo jogada para trás. Dois tempos de 40 minutos depois dos quais encontramos um time vencedor e dois times que deixaram tudo o que tinham em campo.

Melhor do que isso, quando a minha filha (neste momento totalmente imaginária) reclamar que a treinadora dela colocou ela pra jogar de 8, vou poder contar que uma vez na minha vida vi a melhor jogadora que já usou essa camisa jogar, que nome dela é Spencer e que... foi o jogo mais lindo que eu vi na minha vida.

Importantes lições desse jogo:


Fonte Site Oficial

  1. Como acontece no Brasil, nenhuma das jogadoras da Seleção da Inglaterra joga rugby profissionalmente, todas tem empregos ou estão na universidade;
  2. Todas as jogadoras da Seleção jogam por um clube;
  3. Em nenhum momento depois da vitória, a seleção da Nova Zelândia faltou com o respeito com suas adversárias, mesmo no final;
  4. Carla Hohepa (NZ) pode se tornar a melhor jogadora da atualidade, conheceu o esporte apenas 5 anos atrás;
  5.  A capitã Neozelandesa foi campeã aos 45 anos de idade, é respeitada e amada, por todo o seu time e pelas adversárias;
  6. Todos as seleções que jogaram no evento assistiram à final do campeonato da arquibancada;
  7. Quando havia início de vaia por parte da torcida Inglesa numa cobrança de penal da NZ os próprios torcedores ingleses pediam respeito aos companheiros;
  8. Destaque da Seleção inglesa, Danielle Waterman, foi trabalhar na segunda-feira, depois do jogo no domingo;
Crédito da Imagem: Maira Leal

Crédito da Imagem: Maira Leal

Crédito da Imagem: Maira Leal

Crédito da Imagem: Maira Leal

Crédito da Imagem: Maira Leal

Crédito da Imagem: Maira Leal


Nós do Rugby de Calcinha não temos palavras para agradecer o trabalho da Maíra e sua disposição em colaborar conosco nesta importante passagem do Rugby Feminino mundial.

4 comentários:

  1. Foi impossível não me emocionar com as suas palavras. Parabéns Maíra!!!

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  2. Também me emocionei com a parte que a as inglesas vao cumprimentar a torcida. Muito legal seu relato. E principalmente o respeito entre equipes. Dedé - Farrapos Rugby

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  3. aaaa Bixa fodona essa minha amiga Maíra! O onho dela é jogar XV! um dia conseguiremos amiga!

    bjos!

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  4. Adorei!!!!
    Muito bom ler uma matéria assim. Curti muito!

    =]

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